Friday, September 1, 2017

Citação

Cito João Ramalho Santos no último JL a propósito de A Balda [é gralha, mas adoro gralhas "significantes", por isso, esta fica mesmo assim] do Mar Salgado de Hugo Pratt.
Apesar de leituras do livro mencionarem a influência de Joseph Conrad, Jack London ou Robert Louis Stevenson, a inspiração para esta história terá sido "A Lagoa Azul" do irlandês Henry De Vere Stacpoole [...][.]
Pergunto-me em que revista terá The Blue Lagoon sido publicado, mas nunca se sabe (?). Se calhar até foi...

Enfim, isso não interessa absolutamente nada. O que me levou à transcrição acima foi simplesmente isto: detecta-se tanta influência mais ou menos erudita, num esforço demasiado evidente para legitimar o ilegitimável, e esquece-se o que é óbvio: Hugo Pratt era um Oesterheld de trazer por casa. É isto e não é mais do que isto. 

6 comments:

MC said...

"Hugo Pratt era um Oesterheld de trazer por casa."
---o que já não é nada mau!

Isabelinho said...

He he... Isso é bem verdade! E, de uma forma minimalista, mas certeira, toca num problema que me afecta como crítico. Quando tento puxar certas coisas para baixo é apenas porque são imensamente sobrevalorizadas no mundo acrítico da banda desenhada. Noutras circunstâncias o meu discurso poderia até ser outro... Convenhamos, por outro lado, que não considero os twits que possa escrever, do género exemplificado acima, como actos críticos. A crítica é outra coisa, com mais nuance, precisamente...

Há um texto que gostaria de escrever, e já o tenho pensado há muito, mas cada vez duvido mais que alguma vez venha a existir. Falo do estudo comparativo entre Ernie Pike, Sgt. Kirk, etc., e Corto Maltese. Isso sim que seria revelador, claro...

Daniel Ferreira said...

«Falo do estudo comparativo entre Ernie Pike, Sgt. Kirk, etc., e Corto Maltese. Isso sim que seria revelador, claro...»

Seria antes um serviço público.

Isabelinho said...

Esta não é minha. Entrevista de Carlos Trillo e Guillermo Saccomanno a Héctor Germán Oesterheld (em Historieta: Historia de la Historieta Argentina):

"Saccomanno: Hay episodios de Corto Maltés que tienen curiosas similitudes con guiones que vos escribiste. Por ejemplo ése en el que el oro está guardado en los cañones. Ahora, si nosotros nos ponemos en malpensados[...]"

Segue-se a pergunta que não tem nada a ver com a introdução acima. Claro que o episódio de Sgt. Kirk referido nunca foi publicado na Europa e nunca foi reimpresso em 60 anos (dúvido muito que a série de álbuns Tutto Pratt, actualmente a sair em Itália, seja mesmo tutto Pratt). É por isso que Pratt pôde fazer o que fez impunemente. Se escrevesse o tal texto a primeira coisa que faria seria comparar o episódio do fuzilamento de Slütter com um episódio muito similar escrito por Jorge Oesterheld. É outro exemplo...

Além do mais acho sinceramente que Pratt não era grande escritor. Tudo aquilo está eivado de tiques e clichés.

Daniel Ferreira said...

Há muitos casos em que as cópias são uma forma de homenagem (recordo, por exemplo, as cenas de filmes de Leone «roubadas» a Kurosawa). Contudo, a apresentação das primeiras edições europeias de Sargento Kirk como sendo apenas da autoria de Pratt diz tudo.

Reconheço que Pratt escreveu algumas boas histórias, mas no geral nunca foi um grande autor. Aliás, nem creio que pudesse ser de outra forma. Recordo-me de algo que li há décadas sobre uma visita de Pratt ao Clube Português de Banda Desenhada, onde afirmou perante uma assistência de divulgadores salivosos que não considerava a banda desenhada como uma arte, mas sim como um artesanato bem feito. Se juntarmos a isto a autorização para colorir algumas das suas obras e a forma como nos últimos tempos se baldava no desenho, a sua referência numa obra séria sobre banda desenhada nunca deveria passar de uma nota de rodapé.

Isabelinho said...

Justiça seja feita a Dias de Deus que nessa visita confrontou Pratt com o estatuto alimentar da personagem Corto Maltese. O comentário teve, aliás, a anuência do próprio Pratt. Acho muito curioso é que o senhor Pratt fosse lesto a chamar "puta barata" a Breccia e a aconselhar José Muñoz a ser ele próprio quando, no fundo, ele podia ser uma puta cara, mas lá que era puta, era (sem desprimor para as ditas).

Mas não é para isto que aqui volto. Venho corrigir a minha afirmação de que a história referida por Saccomanno nunca foi publicada na Europa. Foi, numa edição da ANAFI: Associazione Nazionale Amici del Fumetto e dell'Illustrazione.