Monday, November 20, 2023

Reminiscing

This blog is mainly in English, but it was in Spanish that The Crib had the immense honor of receiving the writing, and what a writing it is!, of its one and only collaborator besides me, of course: maestro José Muñoz!

Over there, on the upper-right corner, you can read a great post by him, but today I want to unearth another one: about  Julio Schiaffino and Leopoldo Durañona, this time. If you can't read Spanish, I'm very sorry! Indeed I am because you are missing a great deal...

                  


Eugenio Zappietro (g), Julio Schiaffino (d), "Bull Rockett", Misterix nº 714, 20 de julio de 1962.


Jorge Oesterheld (g), Leopoldo Durañona (d), "Pedro Pereyra, Taxista" [homenaje a Pablo Pereyra] Hora Cero Extra! # 25, 23 de junio de 1960. Lluvias de Buenos Aires.

Julito y Leopoldinsky... muchachos de aquel Buenos Aires... aquì, en tu sitio, me vienen ganas de pensarlos y hablar de ellos, este es buen lugar para repatingarse y llamar sosegadamente a los recuerdos. A Leopoldo me lo encontrè en la Panamericana como alumno de Breccia, conjuntamente a Rubèn Sosa y a Abel Balbi. Yo seguìa visitando esporàdicamente la Escuela a pesar de no poder pagar ya los cursos, Breccia me invitaba -pasate de vez en cuando- me decìa, ademàs de recibirme en su casa y aconsejarme.
A Julio Lo conocì como ayudante de Solano, cuando yo entrè al estudio el ya se estaba yendo, hacìa por su cuenta Joe Zonda y Bull Rockett, anteriormente dibujados por Solano. Julio mascaba toscanos apagados y dibujaba sin cesar, desarrollando su original versiòn solanesca: habìa convergencias paralelas entre los dos, fueron capaces de partir desde las frìas y eficaces manchas y lìneas de Paul Campani hacia nuestros barrios, entibiàndose en el camino de los dìas. Jorge, su hermano, me contaba que la madre, parada al lado de la mesita de trabajo de Julio, le decìa - hacé unos cuadritos màs, nene, que me tengo que comprar zapatos - Solano y el consiguieron ademàs hacernos palpar visualmente la suciedad de la soldadescas cubiertas de barro seco, los ojos llameantes de desesperaciòn bajo la sombra de los cascos, la fatiga de los cueros ajados por el uso, la corrosiòn de los metales, los cielos plùmbeos de aquì y de allà. Luego su camino se internò en zonas de exasperaciòn humorìstica como las de su admirado Will Elder, llenando sus cuadritos con contorsiones y anécdotas desopilantes. Se le iluminaban los ojos cuando hablaba de el.

Leopoldo es vigor, soltura y gracia. De potrillo galopaba cerca de Breccia, a veces irritàndolo. Era verbo colérico, energìa desencadenada, brillantez en acto. Sus Pedro Pereyra, taxista, resueltos en tempestades nocturnas, eran oleadas de tinta palpitante en lluvias y vientos que hacìan entrada en las recònditas sombras de los barrios de Buenos Aires, ejerciendo animismo del mejor. Y sus trabajos en Latinoamérica y el imperialismo son excelentes, concuerdo. Nos juntàbamos en su casa con Balbi y Sosa y ahì dale que te dale, discusiones infinitas, llueve siempre en mis recuerdos. Luego terminabamos echados por su mamà, cansada de la excitaciòn y los gritos, y nos ìbamos al bar de la esquina a festejar con cafè con leche y medialunas.

Reconozco que estoy un poco fijado con esa ciudad, la mìa, la de ellos. Que se yo, debe ser el carìnio. Ahì nacieron, ahì volvieron, desde ahì se fueron al otro barrio, y a ese ahì lo dibujaron desde sì mismos, reanimàndolo.
Hasta lueguito y 'chas gracias.

Friday, November 17, 2023

The Labyrinth by Guido Buzzelli

 


Guido Buzzelli, The Labyrinth, Floating World Comics, 2023 [1970]

Since Google's policy is to delete dead accounts I'm reviving this blog to announce that I wrote the Intro to the above book. I hope it does well out there...

Guido Buzzelli is, as you know, if you have been following this blog, a favorite at The Crib, the others being Héctor Germán Oesterheld, Chago Armada, James Edgar, Tony Weare, Yoshiharu Tsuge, John Porcellino, and a few others...

I must also add the following: I was so shocked by João Paulo Cotrim's death, and since I mentioned him on my last post, that I froze, not knowing what to say... He died way too soon...   


João Paulo Cotrim, Photo by Tiago Fezas Vital 

Thursday, October 7, 2021

Dumbing Down

Com alguns, ou bastantes, diria, anos de atraso, como é da praxe no jardim à beira mar plantado, o dumbing down chegou finalmente a Portugal. João Paulo Cotrim é que me devia ter convidado para participar no ciclo de conferências. Podia, sei lá?, falar do racismo de Hergé?

Sunday, January 3, 2021

Momentos Marcantes na Vida de Um Leitor de Banda Desenhada - 13 - Chago Armada

Chago Armada, El Humor Otro, 1963

Desta vez sei como tudo se passou. O primeiro contacto que tive com a obra de Santiago "Chago" Armada foi nas páginas da revista International Journal of Comic Art (IJOCA) que assino desde que deu a lume o primeiro número, em 1999. Refiro-me a um artigo de Caridad Blanco de la Cruz, logo no segundo ano de publicação, de que se pode ver em baixo a primeira página. 

Por coincidência esta é a entrada treze, nesta série de posts, o que me parece apropriado, do ponto de vista de quem é supersticioso, claro, não só porque estou a escrever a segunda versão deste post, depois da primeira, prontinha a publicar, ter misteriosamente desaparecido no éter da Internet, como o fatídico número se adequa à situação do autor visado...

Refiro-me a que, apesar de Chago Armada ter sido guerrilheiro na Sierra Maestra durante a revolução cubana, não se ter livrado de ver o seu livro El Humor Otro ser sequestrado durante nada mais nada menos do que vinte e cinco anos. Há aspirantes a Jdanov em todas as revoluções e quanto mais se grita liberdade na rua, menos esta pode ser exercida...

Caridad Blanco de la Cruz, com tradução de Gisela Gil-Egui, "Always the Other One: Salomón", International Journal of Comic Art, Vol. 2, #1, Primavera de 2000

Dou a palavra, com tradução minha, a Caridad Blanco (in Salomón, Ediciones Asterisco, 2017):

A saída de Salomón das páginas [do jornal] Rotograbado de Revolución, por causa da censura, significou o final abrupto do momento mais alto do humor de vanguarda nesse período [início dos anos de 1960] e de uma banda desenhada de tipo novo. Os problemas que a personagem levantou, a incompreensão que sitiou o enigmático mutante, acusado de indecente, de estar afastado do compromisso social que aqueles anos exigiam, acabaram com o exercício conceptual que Chago levava a cabo na imprensa. As suas tiras filosóficas (juntamente com as de Rafael Fornés), convidavam à reflexão, causavam surpresa e desconcerto. Queriam fazer pensar e não obter dos leitores um sorriso fácil. [Mas estes leitores eram] os mesmos que na rua, na taberna ou escrevendo ao jornal, se perguntavam sobre o significado do inusual anti-herói.

Rafael Fornés, referido acima, é o autor da personagem Sabino, como se pode ver na reprodução abaixo:

Rafael Fornés, Sabino, 2006

Não resisto a traduzir, para as citar, as palavras do próprio Chago Armada, as quais corroboram as de Caridad Blanco (in Signos #21, 1978):

Para mim, o humorismo gráfico, a partir de 1960, é um meio artístico como qualquer outro, sem limitações. Desenho com a mesma liberdade com que se compõe um poema, se pinta um quadro, ou se escreve um ensaio. Recuso as concepções sobre o humor como simples consolador bufo, comercial, cruel, panfletário, idiota. Busco factos e motivações transcendentes. Não desprezo o riso, ou o sorriso, mas procuro-o sensível, inteligente, outro. O meu propósito fundamental é fazer pensar.

Quem fala assim só pode ser um autor no sentido mais profundo da palavra. Alguém que, sem renegar a sua própria cultura (como fugir?), se mostra independente face ao dinheiro ou, neste caso, face à ideologia do Estado. Fazer esta escolha é pagar um preço bem alto e foi o que aconteceu a Santiago Rafael Armada Suarez. De certa forma não seria preciso a censura para que, a viver num país de segundo ou terceiro mundo e a praticar uma arte considerada socialmente de terceira, Chago sofresse os efeitos da periferia geográfica e da periferia estética. Mas vou ainda mais longe: no primeiro mundo o trabalho de Chago nunca seria ou será reconhecido, mesmo sem entraves, porque aí só se gasta incenso com a mediocridade, como demonstram as inúmeras e ridículas listas que aqui mesmo denunciei...

Sobre Chago Armada escrevi neste blogue uma nota breve e fiz alusão ao seu trabalho numa ou noutra entrada (é interessante o conceito, que já tinha esquecido, de "caricatura séria", tão apropriado a este post), mas, sobretudo, escrevi um breve texto para a revista Satélite Internacional, do colectivo alíngua, de que se pode ver em baixo a primeira página. Este é, diga-se de passagem, de entre os que escrevi, um dos meus textos favoritos:


Satélite Internacional #2, Dezembro de 2002
É curioso como a tese, ao tempo, estapafúrdia de incluir Frans Masereel no corpus da banda desenhada se tornou hoje um lugar-comum. Quando escrevi em cima que "banda desdenhada" não era gralha, acontece que menti. Até que era gralha, mas, tal como aconteceu a Picasso no caso que relatei, não tive coragem de a corrigir.

Sobre Sa-lo-món escreveu ainda (mais uma vez com tradução minha) e entre outras coisas, Chago Armada:
Nasce da Dialéctica Materialista, de leituras de Marx e de outros. É tese, antítese e síntese. Um homem determinado, um indivíduo e, ao mesmo tempo, todos os humanos, a colectividade. Com ele quis criar uma personagem tão vasta, complexa e contraditória como a própria humanidade. Pode ser intelectual; analisa friamente a sua circunstância. Mas também é emotivo e os seus arroubos sentimentais e irracionais conduzem-no a situações imprevistas.

Saul Steinberg exerceu uma forte influência nos caricaturistas cubanos da década de 1960. Em Chago Armada, desde logo, que pode ter lido Marx, mas viu Steinberg e em René de la Nuez. Acho, no entanto, que por ir mais fundo na condição humana, sem receio até, da escatologia, em ambos os sentidos, o discípulo superou o mestre.

Termino com a reprodução da capa de um dos livros mais importantes de Saul Steinberg e com um desenho, a aproximar-se da poesia de Chago, retirado do interior do mesmo; com uma ilustração e uma prancha de Chago Armada e com um desenho de outro dos grandes caricaturistas norte-americanos, William Steig:


Saul Steinberg, The Passport, 1954



De Salomón a Sa-lo-món: o percurso de um anti-herói (Signos #21, 1978). Sa-lo-món dentro da caixa, para além de ser uma metáfora da vinheta de banda desenhada, como disse o póprio Chago, faz lembrar o desenho de William Steig que se pode ver em baixo:


William Steig, "People Are No Damn Good", in The Lonely Ones, 1942


Prancha muito provavelmente publicada no jornal Rotograbado de Revolución, mas aqui reproduzida a partir da revista Signos #21 de 1978.

Ilustro o desenho acima com o seguinte texto de Chago Armada com tradução, mais uma vez, da minha responsabilidade (Signos #21, 1978):
Em Sa-lo-món experimentei o que denomino movimento iterado homólogo, contrário ao da banda desenhada clássica o qual se empenha em reproduzir o movimento real da vida ou o do cinema. O que realmente se move, ao ler-se uma banda desenhada, são os olhos sobre o plano (limitado) do papel, de uma vinheta para a seguinte. Assim, pode ver-se Sa-lo-món repetir uma pose (não necessariamente idêntica), uma acção essencial, um movimento indispensável, sem exaltar o estatismo ou o resíduo de um movimento, mas dinamizando o conjunto. O movimento iterado homólogo de Sa-lo-món ou de outros elementos, a distancia continua ou descontínua, cria um ritmo que é espacial e temporal ao mesmo tempo.

Em baixo pode ver-se uma prancha abstracta de Chago Armada. Também neste campo o autor foi pioneiro e revolucionário:


Signos #21, 1978 

Thursday, December 10, 2020

Momentos Marcantes na Vida de Um Leitor de Banda Desenhada - 12 - Banda Desenhada Franco-Belga de Autor

 


Aristophane Boulon [dit Aristophane], Les soeurs Zabîme, [Setembro] de 1996

Aqueles que têm a minha idade, ou cuja idade se aproxime da minha, lembram-se de como "banda desenhada" (um francesismo, já a demonstrar, só por si, alguma coisa) ou, melhor ainda, "BD" (acrónimo que, na esteira de Edmond Baudoin, me recuso a utilizar) era quase sinónimo, em Portugal, de banda desenhada comercial franco-belga. Repito o que já escrevi num destes posts: toda a banda desenhada é comercial, mas, tal como um aforismo célebre sublinha, se todos são iguais, uns são mais iguais do que outros e, portanto, se todas as banda desenhadas são comerciais, há bandas desenhadas bem mais comerciais do que outras. A estas outras costumam aplicar-se designações várias e foi por isso que, desta vez, tive alguma dificuldade em escolher o título deste post número doze. Na realidade nenhuma das escolhas me agrada: "alternative comics" ["banda desenhada alternativa"], expressão utilizada nos EUA, desagrada-me porque põe demasiado o foco naquilo a que se reage, ou seja, no mainstream (é uma definição pela negativa, algo do género: somos o que não somos); "bande dessinée d'art et d'essais" ["banda desenhada de arte e ensaio"], en français, é um pretenciosismo óbvio, expressão rebuscada e esteticamente feia; "bande dessinée d'auteur" ["banda desenhada de autor"] é uma expressão demasiado vaga porque nada impede um artista ou argumentista a produzir obra comercial pura e dura de ter traços identificativos de um estilo, mesmo que entremeados por clichés típicos de determinados géneros como o maniqueísmo da aventura infanto-juvenil. Apesar da ressalva decidi-me pela última expressão porque me parece a que põe o acento tónico onde este deve estar: na individualidade e independência de certos criadores e casas editoras face à indústria cultural.

Voltando ao princípio: se recuarmos umas décadas encontramos João Paiva Boléo, no jornal Expresso, e Carlos Pessoa, no jornal Público, para quem Lucky Luke, Astérix e o inevitável Tintin eram quase tudo o que, com origem nos nortes europeus, merecia ser divulgado. Como se não bastasse, no "quase" acima só cabia o que as fábricas de bestsellers em França e na Bélgica iam debitando no mercado. 

Nestas "Memórias de Um Desmemoriado" estou, mais uma vez, à mercê da dedução porque, claro, não me lembro de todo de como consegui ultrapassar a propaganda monopolista da comunicação social, leia-se, jornais, porque, para o resto, leia-se, televisão, a banda desenhada não existe. Apenas tenho, para me ajudar, dois indícios muito ténues e um palpite: um texto no fanzine Nemo, de que se reproduz em baixo o início, e uma conversa com Lewis Trondheim no Salão de Banda Desenhada do Porto de 1997 em que lhe disse que enviei mil francos... mas não sei para onde... Suponho que para L'Association, mas isso não explica os livros adquiridos nas outras editoras: a Ego Comme X, a Amok e a Fréon. Quanto ao palpite: só posso ter entrado em contacto com a banda desenhada franco-belga de qualidade na Internet.

Nemo #28, Dezembro de 1997
A vinheta de Les soeurs Zabîme foi publicada invertida há vinte e três anos. O erro foi agora corrigido digitalmente.


Porto Luna Bandes dessinées au Portugal, catálogo da exposição que ocorreu durante o Autarcic Comix #6, 24 de Abril de 1995
Na realidade trata-se de uma antologia editada pela Amok com histórias curtas de Filipe Abranches, Ana Cortesão, Zepe, Filipe Abranches com Alain Corbel, Pedro Burgos e André Lemos.

João Paulo Cotrim, na introdução que escreveu no catálogo Porto Luna, cuja capa se pode ver acima, escreveu: "A crítica [de banda desenhada em Portugal] é pequena e ignorante." Pela minha parte creio que a metacrítica foi justíssima. Em contraditório pode-se argumentar que cada crítico é livre de se interessar exclusivamente por isto ou por aquilo e é verdade. Mas não é menos verdade que, neste particular, foi preciso o advento da Internet para podermos todos, em todos os domínios e, claro, neste também, alargar horizontes. Se em post anterior escrevi que dizer-se crítico hoje é o mesmo que dizer-se aguadeiro ou limpa-chaminés pergunto-me se isso não se deve à informação gratuita e quase infinita que se pode encontrar na www. Pelos dois exemplos que dou acima também me parece legítimo perguntar: para que é que eles serviam? Informavam sobre o que estava à vista de toda a gente nas prateleiras (ia a escrever "dos hipermercados", mas não sei se essas "grandes superfícies" já existiam)?

Edmond Baudoin é um dos artistas que mais me impressionou na altura. Ilustrei o texto no Nemo #28 com a prancha abaixo (junto agora a capa do livro):


 Edmond Baudoin, terrains vagues, Março de 1996 e prancha nº 30
Lirismo delicodoce? Talvez, mas em 1996, e ainda hoje, agradeci e agradeço qualquer tipo de lirismo em banda desenhada, qualquer tema que fuja àquilo a que chamei, três anos depois, os extraterrestres, mutantes e heróis... 

Cito o que escrevi na altura e que mantenho (sem o acrónimo que, num texto sobre Baudoin, é até um tudo nada irónico): 
Edmond Baudoin foi um pioneiro da [banda desenhada] autobiográfica em França, mas, ao contrário dos seus "colegas" norte-americanos, Justin Green e Robert Crumb, sempre se retratou (com grande atenção aos membros da sua própria família - a começar pelo avô em Couma Acò) de forma séria e sensível. Autor de traço fluido, representando sinteticamente o seu mundo através de texturas marcadas e linhas espessas (como o sangue, apetece dizer), Baudoin "desorganiza" as suas histórias dando-nos, assim, uma sensação desconexa dos acontecimentos, próxima da vida vivida. O único senão na obra de Baudoin (o qual pode estragar completamente um álbum, como acontece em Le Voyage) é algum excesso de lirismo delicodoce.

Sobre Edmond Baudoin escrevi neste blogue e na revista The Comics Journal conforme se pode ver em baixo:

The Comics Journal #249, Dezembro de 2002

Digno de nota é também Aristophane Boulon cuja obra Les soeurs Zabîme (a capa encima este post) comparei a Marcel Proust (incluo também a proverbial coda). Sobre Aristophane escrevi também  aqui. Fui ainda o elo de ligação entre as editoras Ego Comme X e First Second que, com tradução de Matt Madden, publicou Les soeurs Zabîme nos Estados Unidos.

Muitos outros artistas poderia citar. Há, por exemplo, um trio de livros autobiográficos que me é caro: Approximativement de Lewis Trondheim, cuja capa se pode ver em baixo, Livret de phamille de Jean-Christophe Menu e Journal d'un album de Philippe Dupuy e Charles Berberian (Philippe Dupuy é, publicado mais tarde, em Maio de 2005, por uma casa editora que também merece citação, as Éditions Cornélius o autor do excelente Hanté). 

Lewis Trondheim (pseudónimo de Laurent Chabosy), Approximativement, Novembro de 1995

Ainda no campo da autobiografia o nome que se destaca é o de Fabrice Neaud, sobre quem escrevi um texto que considero importante no fanzine Nemo (reproduz-se em baixo a primeira página). 

 
Nemo #29, Março de 1998
Se bem que já pressentisse o perigo implícito na prática da autobiografia, Fabrice Neaud estava, neste momento, o da publicação do Journal (I), cuja capa se pode ver em baixo, muito longe de imaginar a amplitude gigantesca dos trabalhos em que se ia meter.


Fabrice Neaud, Journal (I), [Maio] de 1997

Este post já vai bem longo e ainda não referi Yvan Alagbé, co-editor da Amok, e todos os artistas que publicaram na editora Fréon: Thierry van Hasselt, Dominique Goblet, Vincent Fortemps, Éric Lambé e Olivier Deprez. Fica para a próxima, mas, para já, termino com as capas das antologias emblemáticas das quatro casas editoras: Ego Comme X, L'Association (com as revistas Labo, onde tudo começou, e Lapin), Fréon e Amok:


LaboJaneiro de 1990
Ainda sob a chancela Futuropolis, a década prodigiosa começava da melhor maneira. De notar que David B. ainda era Beauchard.


L'Association: lapin #1, Janeiro de 1992

                    Ego Comme X: Ego comme x #1, [Janeiro de 1994]          


 Amok: Le cheval sans tête #1, Janeiro de 1994


Fréon: Frigobox #1, Dezembro de 1994

Wednesday, November 25, 2020

Momentos Marcantes na Vida de Um Leitor de Banda Desenhada - 11 - John Porcellino

 


John Porcellino, King-Cat Comics & Stories #38, Março de 1993

Esta série de posts devia ter como subtítulo "Memórias de um Desmemoriado". Isto porque, hoje, não faço ideia de como me foi parar às mãos, em 1995 ou 1996, suponho, um obscuro mini-comic, fanzine, se diz por aqui, editado em Denver, Colorado, nos Estados Unidos da América. Devo, talvez, ter lido a entrevista ao autor, John Porcellino, no prozine Destroy All Comics #3, de Agosto de 1995, cuja capa se pode ver abaixo. Daí a enviar para Denver, por snail mail, uns quantos dólares num envelope, devidamente acomodados em papel químico, note-.se, nesses tempos, antes do home banking e de outras modernices do género como o Paypal, foi um pequeno passo. O que é curioso é que, hoje, o papel químico é já uma memória longínqua. Acrescento ainda que a alternativa a este processo expedito era entupir a sucursal bancária com transferências que levavam uma eternidade a finalizar. A revista, essa, devo tê-la adquirido através da livraria Linhares, ali para os lados da Praça da Alegria onde tinha inúmeros standing orders escolhidos, junto com obras avulso, nos catálogos Advance Comics, cujo CEO, John Davis, conheci em Nova Iorque, e Previews. O encontro com John Davis deu-se uns meros meses antes da sua distribuidora, a Capital ter sido adquirida pela rival, a Diamond de Steve Geppi (editora da Previews).
 

John Porcellino, Destroy All Comics #3, Agosto de 1995

Mas deixemos os milhões da distribuição para voltar aos tostões da autoedição, mais concretamente ao modesto fanzine King-Cat Comics & Stories de John Porcellino. O que me impressionou imediatamente foi a poesia de certos momentos contemplativos de que se pode ver abaixo um exemplo, retirado de Destroy All Comics:


John Porcellino, "Leaves", King-Cat Comics & Stories #37, Novembro de 1992

King-Cat começou por ser uma série saída do espírito DIY (do it yourself), típico do movimento punk. Ao tentar recuperar, com alguns anos de atraso, todos os números que pude (não podia saber que só foram impressos dezassete exemplares do #1) só consegui chegar ao número 27, a um par na dezena de 30 e a quase todos daí em diante para estar, agora, a algumas semanas de receber o #80. Ainda assim há, sobretudo no #27, com Racky Racoon a destruir or discos de Whitney Houston, um desenho deskilled em extremo e uma anarquia que desapareceria com o tempo para ser substituída por uma expressão gráfica simplificada, sim, mas de onde se desprende uma poesia zen em haikus delicados de fina melancolia.


John Porcellino, King-Cat Comix & Stories #27, Junho de 1991
Racky Racoon destroi os discos de Whitney Houston.

Sobre John Porcellino só escrevi este post. Pena que já não tenha o link para os resultados do projecto de Komar & Melamid que refiro nos comentários, mas podem encontrar-se referências aqui. A depuração do estilo gráfico de John Porcellino, com a adição raríssima e feliz da cor, neste caso, pode ver-se na imagem abaixo:


John Porcellino, King-Cat Comics, Setembro de 1998
Capa de uma antologia da obra de John Porcellino publicada pela editora alemã Reprodukt.

Fiz duas comissions  a John Porcellino que podem ver-se, em baixo. Lamento agora não me ter lembrado da prancha "Leaves", mas são tantas as hipóteses de escolha que me foi difícil seleccionar duas:


Esquerda: "13 Stars", King-Cat Comics & Stories #38, Março de 1993
Direita: "Pingree Grove", King-Cat Comics & Stories #62, Agosto de 2003.

Perfect Example é uma recolha de episódios pré-publicados em King-Cat Comics & Stories. Relata, em género autobiográfico e com a sensibilidade que se reconhece a John Porcellino, acontecimentos da transição entre o fim da juventude e a idade adulta, já com um pé na universidade. Conforme se pode ver abaixo, a narração interior, o drama psicológico, em suma, a depressão resultante de frustrações sentimentais, magistralmente expressas, estão no centro do livro o qual, a meu ver, termina numa nota positiva, upbeat, que destoa do que ficou para trás... 


John Porcellino: vinheta promocional por parte da editora Highwater Books do livro Perfect Example cuja capa se reproduz abaixo:


John Porcellino, Perfect Example, Março de 2000

Raramente me emocionei ao ler um livro de banda desenhada, mas isso foi o que me aconteceu no dia em que li o mini-comic King-Cat Comics & Stories #38 (cuja capa encima este post), mais propriamente ao ler a história "Sam". Testemunho de que assim foi é o texto que escrevi uns anos mais tarde, suponho, nesta cronologia muito incerta, e que reproduzo abaixo (foi publicado na mailing list comix@ no dia 23 de Junho de 1998). Alguém disse, a propósito do meu texto, que as histórias de John Porcellino são tão poéticas que até uma crítica sobre o tema pode ser contaminada pelo espírito que este lhes incute (palavras minhas, mas a ideia, se não recordo mal, era mais ou menos esta). Algo de verdade pode haver nisto, mas isso não me impediu de achar as palavras injustas. Ao fim e ao cabo uma crítica pouco mais pode ser do que algo muito paralelo à obra. Pouco mais pode ser ser do que um longínquo eco, do que um pálido reflexo. Dada esta independência entre duas realidades distintas qualquer virtude ou defeito do texto crítico só pode ser imputado ou imputada a quem escreveu e a mais ninguém:

"Sam" is a story self-published by John Porcellino in the mini-comic King-Cat Comics & Stories No. 38, dated March 1993. Sam is short for Porcellino's she-dog's name, Samantha Love. This story is about what she meant to him through her own life, his childhood, adolescence, young adult's years.
Porcellino's drawing style is what we could call minimalist: the characters are just diagrams and there's almost no backgrounds; shading doesn't exist and the lines have always the same thickness and shaky quality; there's almost no perspective (when it exists it's used with deliberate "mistakes"). King-Cat's outdoor scenes usually show a great composition sense conveying a slow pace for the little characters who wander through the sketchy, but well balanced landscapes. These melancholic panels don't appear in "Sam" though... This is an indoor and intimate story (one panel in page four is the exception). Porcellino's drawings have a roundness that conveys warmness. (Conversely, the troubled adolescent in page five has a saw-like hairdo: a symbol of rebellion as we can see in the character Calvin of Calvin & Hobbes' fame, or Bart Simpson of The Simpsons' fame.)
The characters are shown mostly as talking heads. The most elaborate compositions in the story are those in which Sam appears (Sam's the star of the show, after all). Porcellino uses an eight panel grid, the same one once used by Dell in their children's comics. This transports Western readers directly to the past, but, at the same time, gives us a regular pace (most panels have an equal, if shaky, shape) which, like the regular beat of a clock, goes on and on unto the inevitable conclusion of us all, living beings: death.
John Porcellino's writing is as simple and straightforward as his drawing style. The lettering combines capital letters and small letters in a bad-good way that, again, is in accordance with the drawings being also typical of punk aesthetics.
All through "Sam" we can see how John's love for his pet grows. During his difficult adolescent years Sam was always there for him. In the end we can understand his sorrow when she dies. A particularly deep panel is the one in which his friend of many years turns her back on him: Sam's there but, at the same time, she's not there anymore. Soon she will die of old age and old animals (the same way as old people) bid their farewells to this world way before their loved ones bid farewell to them.
One of Porcellino's poetical one pagers, 13 Stars, is an epilogue to "Sam." In it she appears as a ghost: the ghost of memory, the ghost of lost love and all lost things. So are all true works of art: ghosts that haunt us in a disturbing way. I, for one, found that reading this story was a truly haunting and marvelous experience. "Sam" is so simple and sad, and, yet, so beautiful...

Saturday, November 14, 2020

Momentos Marcantes na Vida de Um Leitor de Banda Desenhada - 10 - A Revista Raw e Lynda Barry



 Robert Crumb, Raw #3, volume 2, Junho de 1991

Para além das revistas de banda desenhada cujo público alvo eram, sobretudo, as crianças e os adolescentes, várias publicações periódicas tinham conteúdos que se dirigiam aos adultos, como a antologia norte-americana Raw (pode ver-se acima a capa do último número, já da fase Penguin Books), Drawn & Quarterly (do Canadá, como vimos no último post), Garo no Japão, Madriz em Espanha, LapinLe cheval sans tête, em França, Strapazin na Suiça e Frigobox, na Bélgica. As antologias com histórias curtas serviam de trampolim para dar a conhecer novos autores ou para divulgar os criadores de uma editora reunindo-os numa única publicação. Eram (e digo "eram" porque praticamente já não existem) também produzidas à imagem dos redactores-chefe os quais, através de um trabalho de selecção, podiam criar um todo coerente. A revista Raw foi um trabalho de curadoria revolucionário por parte de Art Spiegelman e Françoise Mouly. Desde logo porque deram um ar cosmopolita à revista, algo apropriado a Nova Iorque, onde foi publicada, mas também graças a uma estética sofisticada cujo acento tónico privilegiava a qualidade gráfica e a criatividade com a inclusão de diversos tipos de papel, um single em vinil ou, até, um pequeno saco de plástico agrafado à revista, a envolver pastilhas elásticas. Foi no interior da revista Raw que Art Spiegelman serializou, em inserts muito mais pequenos do que a própria revista, os primeiros episódios do que viria a ser o seu romance gráfico, Maus.


Art Spiegelman, Raw #1, volume 1, Outono de 1980
Ao contrário do que aconteceu na fase Penguin Books (três números), na fase Raw Books (oito números) o tamanho era enorme: Raw #1, do volume 1, tem 27 x 36 cm; Raw #1, do volume 2, tem 15 x 22,2 cm com Raw #3, do mesmo volume, a ser uns milímetros maior do que os números anteriores.


Raw #2, volume 1, Inverno de 1980
A primeiríssima aparição de "Maus" de Art Spiegelman, breakdown do que viria a ser a capa do primeiro volume do romance gráfico (mini-comic colado no interior da contracapa).

Comecei este post pela capa da antologia Raw #3, da segunda fase, porque foi nesta revista que li "The Most Obvious Question", de Lynda Barry, cuja primeira prancha se pode ver abaixo. Sobre Lynda Barry nunca escrevi nenhum artigo de fundo. Limitei-me a um post neste blogue, seguido da coda correspondente. 


Lynda Barry, Raw #3, volume 2, Junho de 1991


Tira da série "Ernie Pook's Comeek" publicada em jornais alternativos norte-americanos e incluída na colectânea Come Over Come Over cuja capa se pode ver abaixo (arte original da colecção de Suat Tong Ng). A pedofilia no seio da família é aqui abordada desde o ponto de vista das crianças. O estilo "retarded", como a própria autora o nomeou, ajuda a criar uma atmosfera creepy. Especialmente ameaçadora é a silhueta na terceira vinheta. Esta é, na minha opinião, uma das tiras mais relevantes da história da banda desenhada. Escusado será dizer que a subcultura a ignora por completo.


A colectânea Come Over Come Over, de 1990, inclui tiras de 1989 com duas excepções: uma no início, de 1988, e outra no final, do ano de publicação. 

As "casas felizes" e a explosão de cor na capa acima são criações fantasiosas das personagens Maybonne e Marlys e uma óbvia ironia por parte de Lynda Barry: o mundo das duas irmãs, retratado no interior do livro é, em contraste, não só cinzento como cruel e tudo menos feliz, embora as crianças encontrem, na sua inocência e fantasia, precisamente, o antídoto para o mundo adulto disfuncional que as rodeia  (os óculos "sorridentes" escondem os olhos em sinal de evasão, em sinal de cegueira perante o real).
Tudo isto em contraste com visões edulcoradas da infância, tão omnipresentes no caldo quente e mole da cultura kitsch e pop que nos inunda.

PS Em baixo pode ver-se a capa de outra obra importante sobre a pedofilia no seio da família:


Debbie Drechsler, Daddy's Girl, Fevereiro de 1996
Admirável uso da cor: um interior em tons quentes, com o conforto da imersão na leitura e a companhia de um gato enroscado e meio adormecido é invadido pelos tons frios que vêm da porta entreaberta.